São seis horas da manhã, o relógio badala, o sol ressurge e a cidade desperta, logo o silêncio das ruas é dominado pelo tilintar dos saltos femininos e as buzinas impacientes do trânsito, aos poucos o vazio das calçadas é preenchido e o som de cidade grande toma conta daquela que parecia uma cidade deserta... Deserta da noite.
No meio dessa multidão, uma pessoa denominada como “cidadão” age de uma maneira simples e comum, de mãos dadas com a gravidade deixa cair no chão um papel de bala.
O papelzinho colorido dança no meio de pernas e concreto, concreto e pernas, ele passeia gracioso pela calçada, trilhando um rumo desconhecido. E ele vai bonito, girando e contorcendo-se em formas magníficas ao brilho do sol.
É mais do que um papelzinho, é uma poesia que de repente é interrompida por um poste.
O papel agora colado na barra de concreto é surpreendido por um jato d’água da mangueira do padeiro que lava a frente d padaria como num filme de Fred Astaire, jogando água para todos os cantos, bailando em meio a enxurrada na calçada há muito limpa.
O papelzinho escorrendo no poste junto à água vai com ela numa longa jornada pelo esgoto.
O papel é bravo, corajoso, nada com a corrente forte como um peixe, ultrapassando os obstáculos que aparecem em seu caminho, derrotando as fezes que querem impedi-lo de prosseguir com glória.
Mas o caminho foi longo e tortuoso, já está muito amassado, com fissuras, apesar de seu plástico resistente, seu brilho de verniz já não é mais o mesmo de antes, o papel está fraco e em seus últimos suspiros lembra-se de quando era envolto em uma bala doce e cheirosa, morando num bolso quentinho e aconchegante. Neste momento o papel, que já não tem forças para esquivar-se, dá de encontro com uma barra de ferro. Ali é seu fim, ali é o cemitério de papeizinhos de todas as espécies, de todos os cantos. É lá que repousam milhares de papéis por dia, que numa corrente espiritual viram uma grande barragem para quando a grande corrente d’água num dia chuvoso chegar, ela não passará. Pois levará alguns deles para a superfície junto com outros seres de plástico e visitarão outros lugares pela cidade, outros permanecerão por mais tempo naquele espaço abaixo dos pés de seus ex-portadores.
E o mais bonito é que o espírito daquele e de tantos outros papeizinhos acompanham seus corpos até a decomposição final, dando auxílio para que passem por todos os cantos possíveis que não conheceram em vida; alguns permanecem na terra por 50 anos, outros por 100 e outros até por 875, até que finalmente possam descansar em paz no céu das embalagens.
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